SR-10: TITE DE LEMOS – Rio de Janeiro – 1942 – 1989
11 setembro 2011 10 Comentários
TITE DE LEMOS
“Newton Lisboa Lemos Filho (Rio de Janeiro RJ, 1942 – idem, 1989). Foi poeta, letrista., dramaturgo e jornalista.
Publicou seus primeiros livros de poesia, Marcas do Zorro e Corcovado Park, em 1979. No final dos anos de 1970 produziu três peças teatrais: A Serra, A Liça e A Bola. Trabalhou como jornalista, nos anos seguintes; foi redator do jornal carioca O Globo. Em 1988 foi lançado seu livro Caderno de Sonetos e, em 1989, ocorreu a publicação póstuma de Outros Sonetos do Caderno. No ano de 1970, escreveu em parceria com Gutemberg Guarabira, Luiz Carlos Maciel, Sidney Miller, Paulo Affonso Grisolli e Marcos Flaksman, o musical “Alice no país divino-maravilhoso”, do qual participou Sulei Costa, que viria a se tornar sua parceria musical mais constante. O espetáculo estreou no Teatro Casa Grande, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. No início da década de 1970, junto a Luís Carlos Maciel, Torquato Neto e Rogério Duarte, foi editor da revista literária Flor do Mal. A ilustração que escolhi faz referência ao campo de sua poesia que gravitava entre o clássico e o experimental.
Sobre sua obra poética, Otto Lara Rezende afirmou:
E Armando Freitas Filho, também poeta da chamada Geração de 1970:
“A poética de Tite de Lemos constrói-se por elipses, por alusões à la Salinger ou Carlos Süssekind, nas pistas que só duram um minuto, onde a sugestão tem valor igual à expressão. Só assim é que se conseguirá capturar o célere, os dados do acaso, a sensação que está prestes a sumir, sem deixar memória escrita.”
Tite de Lemos, tal como Cacaso (Antônio Carlos de Brito) sobre quem já postei no Sub Rosa, várias vezes é de um geração de poetas contemporâneos que tiveram uma passagem brevíssima pela Vida.
Antônio Houaiss, Ivan Junqueira também se referiram com entusiasmo em relação à obra ao poeta. Mas para minha infinita tristeza, constato que os blogs e os cadernos ou suplementos culturais dos jornais insistem em chover no molhado, divulgar ad nauseam os que já são conhecidos, deixando assim de revelar o que nem nós mesmos conhecemos: a contemporaneidade.
DOIS POEMAS DE TITE DE LEMOS:
MARCAS DO ZORRO
Tu és o cavaleiro eu sou a montaria
às vezes me castigas e outras vezes não
vou cegamente aonde a Tua mão me guia
mas em segredo me pergunto aonde vão
essas desconhecidas Tuas rotas minhas
eu preferia ser apenas o cantor
o jardineiro um leopardo uma florzinha
capaz de em cada outono sucumbir de amor
dizem que és um vingador Te chamam Zorro
uns outros Te nomeiam Christian Rosenkreutz
me humilhas sei e me maltratas mas eu morro
da Tua ausência mais do que quando me açoitas
ah eu desejaria uivar gemer e calo
por ser dos duros deuses todos o cavalo
In: LEMOS, Tite de. Marcas do Zorro. [Prefacio de Ivan Junqueira]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. (Poiesis).
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IRMANDADE
O meu irmão habita os pântanos e os bosques
ermos, os fundos dos quintais onde não vai
ninguém. Eu tive a mesma mãe e o mesmo pai
mas gosto mais das aquarelas dos pomares,
dos lugares aéreos, de coisas assim.
Eu toco címbalo e marimba, ele mergulha
nas oceânicas igrejas, conchas, símbolos
significando nada além dos seus barulhos
e é um devorador de ostras e escraviza
toda mulher que ama, todos os dragões
que doma; e o meu esporte é cavalgar a brisa
passageira. Seremos para sempre dois
— como o chá e o limão, a coca-cola e o rum —
até que o acaso nos convide a ser só um
In: LEMOS, Tite de. Marcas do Zorro. [Prefácio de . Ivan Junqueira]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. (Poiesis).
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II [Um coração boxeur que bate, bate]
Um coração boxeur que bate, bate
mas convenhamos gosta de apanhar
e bater pernas pelo bulevar:
assim é o meu, desgovernado iate
— não sou piloto para o tripular.
Onde céus ele vai? tatibitate
atrás de um outro coração que o mate
ou lhe acenda uma luz crepuscular
antes que a noite finalmente caia,
noite definitiva carta escrita
em braille, noite noiva predileta,
antes que o dia saia e torne maya
tudo isso que passa por estrita
realidade, dor, desejo, meta.
In: LEMOS, Tite de. Caderno de sonetos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
XXIII [TODA VIDA É RASCUNHO PERMANENTE ]
Toda vida é rascunho impermanente
manuscrito com tinta azul lavável.
Não divise futuros, não invente
eternidades nem se torne escrava
de horizontes perdidos e apagados.
Somos mortais, por isso celebramos
casuais centelhas de imortalidade.
Por mais que dure e se transvie em ramos,
uma árvore tem a sua hora.
Se a chuva a curva, sofre mas não chora,
senão, dizem, até se alegra e gosta
sem se dar ao trabalho de sorrir.
Deus, amor, lhe dê olhos de menina
que a paisagem de hoje descortinem.
In: LEMOS, Tite de. Caderno de sonetos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988
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Bnus:
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Aqui uma mostra de Tite de Lemos como letrista. A música é de Sueli Costa (grande nome, aliás mais um outro grande nome da música brasileira, injustiçado, que, vergonhosamente, conhecemos muito pouco). A letra de Tite de Lemos é lindísima, é esta, é esta:
Você me deixa um pouco tonta/
assim meio maluca/
quando me conta essas tolices e segredos/
e me beija na testa, e me morde na boca/
e me lambe na nuca/
você me deixa surda e cega/
você me desgoverna/
quando me pega assim/
nos flancos e nas pernas/
como fosse o meu dono/
ou então meu amigo/
ou senão meu escravo/
e eu sinto o corpo mole/
e eu quase que faleço/
quando você me bole e bole/
e mexe e mexe/
e me bate na cara/
e me dobra os joelhos/
e me vira a cabeça/
mas eu não sei se quero ou se não quero/
esse insensato amor/que eu desconheço/
e que nem sei se é falso ou se é sincero/
que me despe e me vira pelo avesso./
não eu não sei se gosto ou se não gosto/
de sentir o que eu sinto/
e que me atormenta/
e eu confesso que tremo desse sentimento/
que de repente chega/
e que me ataca/
e assim me faz perder-me/
e nem saber se esses carinhos/
são suaves ou velozes/
se o que escuto é o silêncio/
ou se ouço vozes.
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Em 2010, mais de vinte anos após sua morte, a Editora 7 Letras publicou Bella Donna, livro com poemas inéditos do autor. Confira aqui
Este post, descuidado, sem rigor, foi feito em plena vigência de uma temporada em que estou vivendo sob o signo de Saturno, expressão indebitamente emprestada de Susan Sontag. E é dedicado, neste período de aniversário do Sub Rosa, como homenagem a uma pessoa culta, elegante, generosa e muito querida que desde há muito me tem servido de apoio e inspiração: a iluminada Luma Rosa, cuja luz por si só inaugura uma festa sempre que se apresenta. E que parece ter nascido com dom de ser blogger;-) Oh yes, Luma is the party.
Ele, Meg, vai para a minha extensa lista de coisas que aprendi no Sub Rosa…
Mas a música, essa sim, eu conhecia, só que na interpretação de Simone.
Espero que esteja bem – e na paz.
Grande beijo
marilia
Verdade, Marília. A rendition da Simone é matadora. O caso é que de uma forma ou de outra, Elis fazia coisas que tomavam de assalto a nossa memória musical.
Quanto à sua pergunta, obrigada, querida. Estou quase bem e até que tenho tido um período bom de paz;-).
beijos, p’tite.
¡Hola!, Meg:
Faço a mesma pergunta, como vc está? espero que tudo já tenha passado e se não passou que não demore.
Um grande beijo, há muitas novidades nos cinemas e festivais.
Lá no post está escrito Bnus, será a palavra Bônus?
bjks
Lindinha, muitos mercis, alright.
Me conte as novidades, então, me ligue ou email me.
Ixi, Bnus é coisa cruel pisc*. Vou ajeitar. Obrigada por dizer. Sempre que achar coisas assim e outras também…
smoches.
Meg,
espero que tudo esteja indo ao encontro da ‘norma’:-)
Obrigada por mais esse post, antes de viajar eu ia lhe pedir que postasse alguma coisa, vc adivinhou.
Não imaginava o Tite de Lemos como poeta, ele é muito conhecido aqui pelas letras de música que fez.
Meg, (e todos), quem pode explicar para nós, qual a diferença mesmo entre uma letra de música e um poema?
O que separa uma da outra? Há uns posts atrás a Isabela perguntava pelo Chico e eu pergunto agora, o Chico pelas letras que fez não podia ser “classificado” como um poeta?
E o Vinícius será que era um duplo? Fazia tantas letras lindas e era um grande poeta, o que dividia um e outro? Letrista e poeta?
Magaly? Marília? Isa? Nelsinho? :-)
Ah! Meg agora eu pergunto a você(s) se conhece(m) o blog do Eduardo Tornaghi.
É este:
http://papopoetico.blogspot.com/
Descobri há pouco tempo, coisa muito linda e é a sua cara. Os poetas que gostas. Veja lá.
beijo, querida.
Nelsinho, volte logo :-) Gostei de vc ter mencionado a sua ‘companheirinha’, no fundo, nós é que “carregamos” todas as mudanças:-)
Heloínha:
>” quem pode explicar para nós, qual a diferença mesmo entre uma letra de música e um poema?”
Certamente que não eu, I should talk.
Acho que isso não tem um viés “taxonômico”, não. O Chico é sim poeta, embora negue, falsa imodéstia:-) E acho que quem “moralizou” essa parada foi mesmo o Vinícius que pagou um duro preço por fazer poesia de alto nível nas suas letras de música.
Agora tem aquele negócio do ritmo, da melodia, da rima até.
Não sou a melhor pessoa para falar disso. Agora que uma letra do Cole Porter tem seu valor, pra além, ah! isso tem. E Cartola? E Noel?
Beijos, minha flor.
Dirty Maggie Mae (magina)
P.S:
Ah! sim o Eduardo Tornaghi, meu ídolo, lindíssimo e tão especial. Conheço sim o papo poético e não que eu queira provocar discussão, mas o que ele faz… pensar que Bé*th***ânia, queria ou quer milhõe$$$ pra fazer o que Eduardo faz com muito mais propriedade…
Vagaries… isso sim.
[alterado, updated]
Ai… ai… me fez esquecer tudo o que ia comentar! Isso não se faz!
Essa semana passou muito rápido e estive praticamente ausente da blogosfera, mas o tempo todo, meu pensamento voava até você, parecia que estava me chamando. Olha que coisa! Mas sabe, não tenho medo de ser feliz e falo o que sinto pelas ventas.
Os contemporâneos, invariavelmente são valorizados apenas depois da morte – como disse Jimi Hendrix: “Quem morre está feito para o resto da vida”´- não estou desvalorizando Tite de Lemos, só constatando o que socialmente acontece.
“Diamantes e cinzas, vêm e vão
as cartas que o acaso distribui”
(do soneto XLIII – Caderno de Sonetos, Tite de Lemos, 1988)
Sabe que toda essa conversa sobre Tite de Lemos, lembrei da irmã dele, a sambista Sônia Lemos. A única referência que achei dela na web foi um vídeo no youtube – http://youtu.be/uRF-5npsqTo – ela aparece após 2:58. Lembra dela?
Beijus,
Olá Meg!! Meg!! Que maravilha é esse lugar…nossa,estou zonza prá falar a verdade..fui lendo sem parar..às vezes tinha que voltar e voltar e voltar prá confirmar se era aquilo mesmo que tinha lindo, pensado e sentido, fiquei extasiada, acho que ainda estou….escreveria sem parar, acredite mas só depois de ler com a calma que esse sitio merece…estou como a gente fala por aqui, “passada”, de tudo de tão bom que já vi por aqui…Obrigada…obrigada mesmo..agora de verdade entendo a admiração …noutro momento apenas a sentia. Beijos e obrigada pela visita e teu gentil comentário.
beijos
Oi, Selena, mas que prazer, enorme, recebê-la aqui na “nossa casa”.
Desculpe não responder antes, na verdade o WordPress está fazendo umas travessuras e pregando peças: eu escrevo comments geralmente resposta e não aprecem os comentários vem e vão, somem e depois reaparecem.. é.. acho que está mal-assombrado:-)
Querida, obrigada pelas palavras gentis. É muito bom receber esse carinho verbal.
Agora que já sabe o caminho, faça do blog a sua “casa virtual”. E fique à vontade.
Um beijo
Luma : querida, que coisa linda de se ouvir (ler) obrigada por esse cuidado, que eu espero não desmerecer. Isso reconforta e muito, você sabe.
Ah! isso que vc diz da efemeridade da vida e o reconhecimento póstumo, pura verdade, não sabia que o Jimmi Hendrix tinha dito isso, mas já que le disse, foi além de certeiro, profético pois ele mesmo morreu assim tal como disse. Ele e a Janis Joplin.
Agora quanto ao caso do *não reconhecimento em vida* é incrível, você foi no ponto!
Quando a moça me disse aqui nos comments que eu não postava poetas brasileiros eu fiquei pensando, em João Moura, Francisco Alvim (que está lançando mais um livro e praticamente nada se sabe dele… e nunca “estourou”) .
Alvim é o caso oposto a esse fenômeno “social que vc menciona: ele está vivo, uma vida longa e só é reconhecido – e conhecido – por aqueles a quem se pode chamar de *happy few.*
Leia aqui:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/976259-em-novo-livro-francisco-alvim-se-equilibra-entre-o-lirico-e-o-cotidiano.shtml
=-=-=
Já a Sonia Lemos, eu lembro muito mesmo dela. Não sei o que aconteceu, de repente as pessoas somem, ficam na memória dde poucos.
Strano destino:-(
Obrigada minha querida, por tudo, por tudo nesses anos todos. Foi esse o meu objetivo, simbolizar, apenas simbolizar, esse carinho, essa gratidão. :-)
beijo