‘Excuse my dust’ – Dorothy Parker
26 março 2011 59 Comentários
A mais arrasadora personalidade feminina de sua época, Dorothy (nascida Rotschild) Parker (1893-1967), considerada “the wittiest woman in América, escreveu nas revistas Vogue, Vanity Fair e pontificou na mais especial e brilhante revista semanal americana, The New Yorker.
Jornalista, poetisa, contista, roteirista e crítica teatral, ficou famosa nas décadas de 1920 e 1930 pelos seus poemas curtos e implacáveis. Espírito mordaz, crítico , marcada por algumas tragédias e pela causticidade de seu estilo, ela era devastadora, atingiu a todos e não poupou a si mesma do riso.
Ficou conhecida, justamente, por ser a mais espirituosa e irreverente escritora do século passado.
O texto da orelha da edição da “Modern Library” diz que seus poemas são “aguçados como pontas de flechas, e mergulhados no ácido borbulhante de seu humor.” Poucas mulheres (e poucos homens, aliás) terão tido uma vocação tão grande para a metáfora surpreendente, para a comparação “na mosca”, para o soco demolidor com luvas de pelica, para as coisas ternas ditas com crueldade e vice-versa.
“There’s a hell of a difference between wisecracking and wit.
Wit has truth in it; wisecracking is just calisthenics with words.”
Ela foi uma dessas mulheres que não têm medo de homem nenhum e, como todas elas, pagou um preço maior do que podia, além de suas posses. Casamentos, divórcios, abortos, tentativas de suicídio (várias, o que chegou a virar um folclore), rejeições, depressões e decepções, tudo está rigorosamente dito e descrito em suas biografias e, claro, na internet, em várias homepages.
A primeira vez que publiquei algo a respeito de Dorothy foi em 2001 e a principal página na Internet dedicada a ela, continua a mesma. É a da revista Bohemian Ink, a literary underground review.
Ou seja, uma escritora do mainstream mas tratada e retratada (muito bem) por uma publicação underground, não é o máximo? E até hoje, apesar de em um grande período ter ficado quase esquecida, o culto ainda hoje persiste. Aqui mesmo no WordPress, temos a Sociedade Dorothy Parker. E tantos outros, que vocês mesmos vão me ajudar a descobrir. Fan pages é que não faltam, nas melhores famílias.
Em seus poemas, ficou a auto-imagem de uma mulher ao mesmo tempo cínica e carente, cuja vida amorosa foi “uma sucessão de saltos no escuro e de ossos partidos; de convalescenças e de recaídas.
Sua linguagem poética é minimalista, dando preferência às estrofes com esquema silábico britânico (8-6-8-6), ocasionais sonetos no modelo italiano, pequenos epigramas em quadras ou dísticos. O mais famoso deles é:
“Men seldom make passes / at girls who wear glasses”
para o qual assenta bem esta tradução:
“Os homens não roubam ósculos / de garotas que usam óculos”
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Sua poesia é difícil de traduzir, mesmo tendo uma linguagem simples, de imagens fortes e diretas. Grande parte do seu charme reside em ser impecavelmente rimada e metrificada, a um ponto quase impossível de preservar nos versinhos curtos e compactos que eram sua forma predileta.
Seu talento para a rima rica e original é também famoso. Seu poema mais conhecido talvez seja este:
Razors pain you; Rivers are damp;
Acids stain you; And drugs cause cramp.
Guns aren’t lawful; Nooses give;
Gas smells awful; You might as well live.
Résumé
“Résumé”, é sobre o suicídio. Tradução mais adotada:
“Navalha dói./Rios são úmidos./
Ácido mancha. Drogas dão cãibras./
Revólveres são ilegais. Forcas cedem.
O gás tem um cheiro horrível. Melhor ficar viva.”
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Dorothy também foi roteirista em Hollywood (duas vezes indicada ao Oscar, em 1937 e 47).
Depois da guerra, voltou para New York e para o trabalho jornalístico. Em 1944, Dorothy ganhou edição luxuosa do Portable, uma coleção prestigiadíssima, reunindo o melhor dos melhores escritores, onde ela fica, ao lado de Shakespeare e da Bíblia, como as três, únicas, coleções a serem editadas ou reimpressas contínuamente. Ruy Castro em Big Loira, diz que Dorothy está, de fato, em companhia de Oscar Wilde, Mark Twain, Platão, Voltaire, James Joyce, Cervantes e Nietzche e por aí vai, até mesmo a Bíblia. E arremata: “isso é o que se pode chamar de uma escritora em boa companhia. Resta saber é se Dorothy gostaria da companhia deles.”. Eu acho que sim.
Ao envelhecer, afastou-se dos círculos intelectuais onde um dia chegou a ser considerada “a mulher mais espirituosa dos EUA”. E a mais amarga, também: morreu aos 73 anos, sozinha num quarto de hotel. Sua morte pegou de surpresa muitas pessoas que a imaginavam morta há muito tempo. Quando morreu, em seu testamento, para desespero de Lilian Hellman sua amiga e espécie de protetora de Dorothy (alguns dizem que ela esperava ser herdeira da amiga, fosse do que fosse) e espanto de todos os demais, havia deixado tudo o que possuia, para Martin Luther King (e a causa negra), a quem não conhecia e , ele, jamais sequer ouvira falar dela.
Dorothy apoiou muitas causas da esquerda nos Estados Unidos. E chegou a ser alvo de investigações por supostas ligações com o comunismo. A tal Comissão Mc Carthy de investigações “antiamericanas”.
Suas cinzas ficaram vinte anos num escritório jurídico, sem que ninguém as reclamasse. Coisas de Dorothy, que certa vez, ao escolher seu epitáfio, escreveu: “Excuse my dust”.
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Dorothy tornou-se um daqueles casos em que a personalidade do artista supera sua obra na memória coletiva. A presença do inferno da rejeição, abandono, amores fracassados, alcoolismo, inúmeras tentativas de suicídio(*) e, principalmente, porque todos esses ingredientes sustentam as suas inúmeras tiradas de humor mordaz – por essas, absolutamente tantalizantes e geniais, é que Dorothy ficou, para sempre, na memória da literatura.
Aqui, algumas dessas tiradas. Algumas em português, na tradução de Angela Carneiro e outras, em inglês, porque são absolutamente, intraduzíveis.
(Grande parte delas ganharam vida, nas reuniões promovidas na famosa Round Table do (hotel) The Algoquin : ao lado de Dorothy Parker, Harold Ross (fundador da The New Yorker) e Robert Benchley, Franklin Pierce Adams, colunistas e Heywood Broun, Ruth Hale; o crítico Alexander Woollcott; o comediante Harpo Marx, os dramaturgos George S. Kaufman, Marc Connelly, a escritora Edna Ferber, e Robert Sherwood, todos esses formando o seleto e fechado vicious circle, a Mesa Redonda do Algonquin, que incorporou a fina flor da inteligência e o espírito de uma era em que foi mudado para sempre a cara do humor e costumes americanos. Da era do jazz, uma era de ouro.
(*) A respeito das várias tentativas de suicídio, Dorothy, judia que era, chegada a uma tragédia, numa certa época, tentava o suicídio quase toda semana. Dizem que certa vez, o maravilhoso, adorável (esses adjetivos são meus) Robert Benchley , seu amigo, olhou para ela e, sinceramente, preocupadíssimo, lhe disse, “Dottie, tome cuidado, menina: essa coisa de tentar se suicidar toda semana, puxa, um dia você ainda acaba ficando doente!”.)
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Deixo algumas aqui, que retiro de meus livros sobre Dorothy… E não sou boba de querer traduzir algumas, não é , mesmo? Quer ver? Vejam:
- *** You know, that woman speaks eighteen languages. And she can’t say “No” in any of them.
- **** Scratch an actor and find an actress.
- **** Everything that isn’t writing is fun.
- **** Hemingway avoids New York, for he has the most valuable asset an artist can possess – the fear of what he knows is bad for him.
- **** Respondendo a um interrogatório do FBI: “Listen, I can’t even get my dog to stay down. Do I look like someone who could overthrow the government?”
- **** I require only three things of a man: he must be handsome, ruthless and stupid.
- *** I like to think of my shining tombstone. It gives me, as you might say, something to live for.
- *** I write doodads because it’s a doodad kind of town.
- ***
- *** Time doth flit; oh shit.
- *** I’d kiss you, but I’m not sure it’d come out right.
- ***Men seldom make passes At girls who wear glasses
- *** Travel, trouble, music, art A kiss, a frock, a rhyme – I never said they feed my heart But still they pass the time
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Ave ! Dottie. Em português:
- “Só exijo três coisas de um homem : que ele seja bonito, insensível e burro”
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(*) A tradução de todos os poemas e citações, aqui, são de Angela Carneiro.
Alguns links, especialmente escolhidos: (**)
Modern American Poetry. . – Em especial este ensaio: Dorothy Parker and Her Intimate Public.
As Malvadas./ Recanto das Letras
O espantoso obituário do New York Times. Quando Dorothy morreu, em 1967, estava tão esquecida que todo mundo se espantou com as notícias estampada nas front pages dos mais importantes jornais. Este obituário, na front page do NYT foi decisivo: os poucos que lembravam dela achavam que já tivesse morrido. Os outros não tinham a real dimensão de sua importância.
Dorothy em tese. USP, por Juliana Rosenthal Knoepfelmacher.
A dependência feminina do telefonema masculino.
Socidade Dorothy Parker (aqui tem coisas do arco da velha e da nova).
DOT AUDIO: Vídeos interessantíssimos com Dorothy. (enviados pela Rose)
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Livros em português:
Praticamente não há uma bibliografia em português a respeito de Dorothy Parker, a não ser a coletânea de contos Big loira e outras histórias, de Ruy Castro, lançada pela Companhia das Letras. E, pela editora Civilização Brasileira uma biografia “A extravagante Dorothy Parker“, pela escritora francesa Dominique de Saint Pern , o que é ótimo. Mas, cuidado, é longa e maçante, o que pode afastar os que já não estejam convencidos de que vale a pena. E a tradução…tsc, tsc… (embora eu dificilmente fale mal de tradutrores. Tenho o maior respeito pela classe laboriosa , da qual faz parte, a minha adorável e querida tradutora preferidíssima Fal Azevedo. Que fez a magistral tradução do livro O amor é fogo , da não menos adorável Nora Ephron. Que aconselho veementemente.
(**)Eu disse que este seria um post in progress. E interativo. É verdade: o melhor do post vem depois, nos comentários. Pelo menos aqui é assim *pisc. Simplesmente os melhores links. Melhor, muito melhor do que eu poderia fazer. Então os links virão depois, com os devidos créditos:-). Agora é com vocês, queridas. Voilà! (*pisc, de novo.)
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Ah! queria dividir uma coisa com você: eu hesitei em dizer aqui que tenho uma linda puppy, uma cadelinha yorkshire, lindíssima, of course, chamada Dorothy (que torce pelo Yuri). Adivinhem qual a razão do nome? Pois é! Agora, o melhor de tudo foi encontrar um blog em que a autora conta que os filhos de sua cã foram ‘batizados’ com os seguintes nome:s Dot (ponto) Dash (traço) e Ray. Agora, por quê? Simplesmente, os nomes foram inspirados em Dottie Parker, Dashiel Hammet (lembram o marido da Lilian Hellman?) e Raymond Chandler. Quem gosta de romances policiais, aí, levante o braço:-). O blog é aqui. E Dorothy adorava cães. Ela era per-fei-ta!
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