DIÁRIO DA ITALIA 10

Quando o bom senso funciona. Que haja olhos para ler e inteligencia para seguir!

RAMALHETES

Pequenas observações da quarentena aqui na Sicilia

5/6: Aconvivência e suas consequências. Faz anos li um livro excelente sobre os bastidores de Hollywood, A Cidade das Redes, e nunca esqueci o drama de Gene Tierney, estrela da década de 40 e na minha lista das mulheres mais lindas do cinema. Grávida, ela contraiu rubéola, o que fez com que sua filha nascesse surda, cega e com outras sequelas. Gene não suportou a culpa. Veio o efeito dominó: afundou na depressão, tomou eletrochoques, tentou o suicídio, a carreira foi para o espaço, ela teve de trabalhar como balconista de loja. Anos depois, numa volta por cima, a atriz estava num evento em sua homenagem quando uma fã chegou junto, senhora amorosa, e lhe disse, açúcar na voz: “Gene, sempre te adorei. Lembra quando você estava numa campanha para ajudar os soldados na Guerra? Fugi do…

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ARMANDO FREITAS FILHO

Leia aqui: FSP

´A CANETA EMPRESTADA

goo.gl/KvpXnB
Para Ana Martins Marques

A caneta do florista

tenta um floreio, mas a mão

que por empréstimo a empunha

não sabe fazer desabrochar

a flor no ar livre do papel

nem desenhá-la, sequer.

A caneta do porteiro

aponta o andar, e espera

que o ponteiro do elevador

acuse se o destino foi o certo

e a porta abriu ou não.

A caneta do jornaleiro

na verdade um toco de lápis

suado, oferecido como um mágico

que o tira detrás da orelha

tem a pressa da notícia, o furo

cabeludo do ouvido em primeira mão.

.

A caneta do amolador é uma faísca

um risco, um guincho que varia

que vaivém querendo afinar

o que vai dizer ou cantar agudo

de ouvido, sem partitura.

A caneta do garçom serve melhor

por que tem uma mesa à mão

onde o tempo não passa

como reza o ditado, por causa

da carne e do vinho?

A caneta do frentista

que apara o carro, e o redesenha

da carroceria ao para-brisa:

a poder de estopa, flanela e élan

com água e espuma meticulosas

que desembaçam a paisagem

os óculos escuros, os olhos

do motorista na longa via.

.

A caneta do ambulante

se expressa por garranchos:

voz alta, rouca, errada

aos arrancos, enquanto

perambula rua afora

entre pregão e correria

fixado camelô de si mesmo.

.

A caneta do médico

ao mesmo tempo

que prescreve a receita

vai costurando a ferida

ponto por ponto

e sua letra indecifrável

é o gráfico da cicatriz.

.

A caixa do supermercado

é de carne, rímel, coque

com a blusa do uniforme

aberta em três botões

que a desuniformiza no ato.

Sua caneta roxa vertical

não pode ser emprestada

pois anota compras sem parar

como a dos dois melões

que o comprador, na beirada

dela, também anota, sôfrego:

só que não são os mesmos.

.

O lavador de carros, sonolento

à beira do mar aberto – à toa –

não tem caneta, tem mangueira

balde, pano e muita água gasta

que dava para lavar um ônibus

na lagarteante tarde de sábado

que passava, desperdiçada, sem

que ninguém fechasse o registro.

.

As canetas dos meros transeuntes

se reúnem numa só: Bic!

Com sua elegância de atleta, esbelta

passando de mão em mão, masculinas

a maioria, azul, preta, no bolso

ou cravada, junto da jugular

na gola da camiseta, vermelha.

.

A caneta imprestável de alguém

quase sem carga, não serve mais

para acompanhar o pensamento

que iria se firmar a partir

da sua ponta esferográfica.

Por mais que tente recuperar-se

através de riscos irritados

falha, gaga, gasta, e se cala.

.

A caneta do chaveiro é à clef

por natureza, e se insere macia

no início, e depois estala:

com seu ruído de ferro fundido

ao dar as quatro voltas do segredo

na palavra-chave – La Fonte.

.

A caneta marca AMM

é à prova d’água, por isso

não precisa de diques, nada

e vai fundo, para o que der e vier.

É única, não é feita em série

e só funciona na mão dela.

Neste envoi, escrevo com a minha

e firmo: como é bom ter de novo

uma poeta chamada Ana.

ARMANDO FREITAS FILHO, 76, poeta, é autor de “Dever” (Companhia das Letras).
Retirado fa FOLHA DE S. PAULO

Juliette Gréco

Leia aqui:   goo.gl/gJTWyL   -por Claudio Leal.

 

Mostra Hitchcock

https://goo.gl/mPVdU7

São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008 
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Crítica/”Duas Vidas”

Escolhas políticas de Gertrude Stein não ofuscam sua obraBiografia revela que artista apoiou Franco e fez concessões aos alemães na França 

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Até que ponto o conhecimento da biografia de um artista deve interferir na interpretação de sua obra? Até o ponto em que os fatos biográficos ajudam a compreender a sua linguagem. Como relativizar a militância anti-semita de Céline, o fascismo de Ezra Pound e separá-los de seu trabalho?
É um problema difícil para o leitor e para o crítico, mas não há como negar que a interpretação da obra em função do conhecimento das opções políticas, sexuais ou religiosas de um autor é um problema pessoal, não estético. Posso optar por não ler determinado escritor porque discordo de suas escolhas, mas não posso avaliar seu trabalho em função disso.
Em “Duas Vidas”, Janet Malcolm faz uma pesquisa de fôlego sobre alguns bastidores nada abonadores da relação entre Gertrude Stein e Alice B. Toklas e menos ainda das relações que Gertrude manteve, durante a Segunda Guerra Mundial, para conseguir permanecer no interior da França em relativa tranqüilidade. Como duas lésbicas judias mantiveram uma bela casa no interior, durante vários anos, sem serem incomodadas pelos alemães ou pelos franceses?
O foco principal da pesquisa é a amizade que Gertrude estabeleceu com um grande colaboracionista francês, Bernard Fay, escritor, professor e também homossexual, que, segundo consta, teria protegido o casal Gertrude e Alice durante a guerra. Além disso, o livro também conta sobre o apoio de Gertrude a Franco, durante a Guerra Civil Espanhola, contrariando as tendências de praticamente todos os seus amigos durante a época, inclusive o mais conhecido deles, Picasso.

Concessão ao público 
Seu livro mais vendido, “A Autobiografia de Alice B. Toklas”, escrito por Gertrude como se a narradora fosse Alice, falando de sua amante genial, foi, segundo a pesquisadora, uma concessão da autora ao grande público, uma vez que sua linguagem feita de colagens e justaposições era incompreensível demais.
Do apoio a Franco e da amizade com um aliado dos nazistas, Janet Malcolm vai à miséria em que morreu Alice, já nos anos 60, privada da herança das centenas de quadros de Gertrude, que, no final, ficaram mesmo dentro do círculo nada revolucionário de sua família e foram confiscados de forma patética pela segunda mulher de seu sobrinho.

Escolhas políticas 
Mas, apesar da acuidade da pesquisa, resta outra pergunta: se é difícil decidir sobre a importância das escolhas políticas dos grandes autores, qual é a utilidade de se realizar um estudo pormenorizado sobre essas escolhas? Para revelar ao grande público a “verdade” que se esconde por trás das obras?
Para obter sucesso em nome de sua popularidade?
Gertrude Stein já era polêmica o suficiente como autora, na sua linguagem autônoma e circular, para que seja necessário conhecer os bastidores de suas escolhas políticas, a não ser como curiosidade. Sua vida pessoal, carregada de detalhes saborosos (amizade com Picasso e Hemingway, homossexualismo, judaísmo mal assumido) não pode ocupar o lugar da tarefa muito mais desafiadora de se compreender sua obra, que fica sempre muito além dessas curiosidades.
Afinal, para quem lê “Uma Temporada no Inferno”, de Rimbaud, que diferença faz saber que ele foi traficante de armas na África? E, no futuro, como se poderá esquecer a frase “uma rosa é uma rosa é uma rosa”, em que Gertrude desbanalizou essa flor pela primeira vez em cem anos?


DUAS VIDAS – GERTRUDE E ALICE
Autora: Janet Malcolm
Tradução: Patricia de Queiroz Carvalho Zimbres
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 47 (216 págs.)
Avaliação: regular

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Adélia – a coisa mais fina do mundo

Mais atual, impossível e Adelia continua sendo a finíssima expressão do feminino. <3

Sub Rosa (flabbergasted) v.2

Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência…”

Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia…
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos…
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,

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