LILITCHKA – Updated
3 fevereiro 2011 32 Comentários
LÍLITCHKA!
Em lugar de uma carta
Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto —
um capítulo do inferno de Krutchônikh. (1)
Recorda —
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração — aço.-
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua .
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos — rodopiante carnaval —
dispersarão as folhas dos meus livros…
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.
-==-=-=-
Wladimir Maiakóvski. “Em lugar de uma carta“.
26 de maio de 1916 (Petrogrado)
(Tradução: Augusto de Campos)
(1) Alusão ao poema “Um jogo no inferno”
de A. Krutchônikh e V. Khliébnikov.
Sobre Lilia Brik ler aqui. Ou ainda neste ‘dossiê Maiakovski
‘Três mulheres em sua vida: Lilia Brik, Veronika (Nora) Polônskaia e Tatiana Iácovlieva. Quis casar com Tatiana, uma russa branca, mas não o fez. Também quis casar com Nora, mas ela não aceitou. Viveu com Lilia e com o marido dela, caso que estarreceu a sociedade e que foi batizado, ocidentalmente, de ménage à trois e, pela própria Lilia, de “uma ideologia amorosa”, fundamentada no livro de Tchernichévski – Que fazer? – que pregava a não-possessividade entre marido e mulher.
O caso teria acontecido mais ou menos assim, como narrado no livro I LOVE , the story of Vladimir Maikaovski and Lilia Brik, de autoria dos norte-americanos Ann e Samuel Carters, que passaram sete anos na Rússia bisbilhotando tudo a respeito desse outro lado da vida do poeta: Lilia era casada com Ossip Brik, crítico literário, e ambos vieram a conhecer Maiakovski quando este procurava um quarto para alugar. Passando a morar com o casal, os três tornaram-se muito amigos. Lilia e Maiakovski apaixonaram-se um pelo outro. Contaram a Ossip, que não viu motivos para deixar a casa. E continuaram a viver os três sob o mesmo teto.
Lilia foi “a mulher” na vida de Maiakovski, aquela para quem ele ofereceu poemas, aquela que recebeu o que viria a ser conhecido como “poema concreto”: um anel, gravado com as iniciais de seu nome – L – I – UB – que, ordenadas de forma circular, formavam a palavra LIUBLIU (AMO).
Em julho de 1972, Lilia Brik concedeu entrevista ao brasileiro Boris Schnaiderman, em sua residência perto de Moscou. Lilia garante que não tinha mais nada com Ossip Brik quando começou relacionar-se com Maiakovski. Quando desta visita de Boris, Lilia já estava casada há quarenta anos com V.A. Katanian, também amigo de Maiakovski, e ambos sempre se dedicaram a estudar e divulgar a obra do poeta. Em 1978, aos 86 anos, Lilia suicidou-se.’
Em que circunstâncias, uma pessoa como Lilia Brik se suicidaria , em idade tão avançada?
Este é um assunto fascinante e foi tratado em tese de doutorado pelo jornalista e professor de Filosofia Arthur Dapieve e -pessoalmente- o tenho considerado objeto de reflexão. O mesmo ocorreu com (1)Primo Levi, escritor italiano, químico, sobrevivente do campo de concentração Awschwitz-Bierkenau, autor dos livros É isso um Homem e Tabela Periódica. Nasceu em 1919 e suicidou-se 1987, emTurim . (2) Gilles Deleuze (1925-1995) suicidou-se após grande sofrimento com um cancer de pulmão. 3-Há cerca de dois meses, em 29 de novembro de 2010, o grande cineasta Mario Monicelli , suicidou-se, depois de ter feito uma brilhante carreira e ser reponsável pela criação de algumas obras primas, aos 95 anos.
Nada de morbidez, asseguro, apenas, estranhamento. O assunto, o importante, a essência, continua sendo o poético, o humanamente poético.
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